Autor: Marcelo Bacchi - advogado. Pós graduado em Direito Público (2012) e Ciências Penais (2013)
O objetivo deste artigo não é tratar de questões psicológicas como o
prazer, carinho e afeto que um animal de estimação provoca nos proprietários,
ou o repúdio em quem os odeia, mas sim demonstrar os aspectos legais acerca dessa
realidade nos condomínios edilícios.
O condomínio edilício é um instituto jurídico disciplinado pelo Código
Civil Brasileiro de 2.002 e pode ser conceituado como uma edificação que possui
partes com propriedade exclusiva e autônoma (apartamentos, escritórios e salas,
por exemplo) e parte com propriedade comum dos condôminos (rede de água,
esgoto, solo, dentre outros). Existe condomínio edilício vertical e horizontal,
ou seja, um conjunto de casas ou um prédio de apartamentos.
Uma polêmica bastante rotineira nos condomínios edilícios é a
permissibilidade ou não da existência de animais de estimação.
O tema enseja cuidados de quem está adquirindo uma unidade num
condomínio edilício porque o comprador do imóvel poderá possuir animais de
estimação ou mesmo ser contrário à existência deles no imóvel em negociação.
Partindo deste prisma, a primeira medida a ser tomada é analisar a
convenção do condomínio e as regras que o compõem, visando, assim, evitar
contratempos que porventura possam advir após a compra do imóvel desejado.
Convenção de condomínio é o estatuto que regulamenta os interesses dos
condôminos, ditando as regras gerais e específicas do local. É um documento
escrito que prevê as normas atinentes à administração condominial, competência
das assembleias, deliberações, despesas ordinárias e extraordinárias, sanções,
regimento interno, além de outros interesses que os moradores houverem por bem
estipular. A matéria é regulada pelos artigos 1.332 a 1.334 do Código Civil. Trata-se, então, de um negócio jurídico proveniente da autonomia privada
da vontade coletiva, onde as normas postas na convenção tornam-se obrigatórias
para todos - proprietários, possuidores ou terceiros. Embora possua
inicialmente força obrigatória, as regras disciplinadas na convenção não são
absolutas porquanto podem ser relativizadas quando contrárias à ordem pública,
a boa-fé, aos princípios gerais do direito e principalmente à norma
constitucional.
Feitas estas ponderações iniciais, imaginemos uma situação em que o novo
proprietário do imóvel, desconhecedor das regras do condomínio, receba uma
notificação informando que no local não se permitem animais de estimação. O que
fazer? Eis um problema criado.
Analisando pormenorizadamente a convenção do condomínio, uma das três situações
certamente ocorrerá no que tange a permissão de animais de estimação: 1)
Existência de regras expressas que os proíbem; 2) existência de regras
expressas que os permitem, seja ou não com ressalvas; 3) nada diz a respeito.
Na segunda situação acima apontada, qual seja, existência de regras na
convenção que permitem animais de estimação, maiores digressões acerca do tema
tornam-se desnecessárias porque a própria norma do condomínio já autoriza a
existência dos mesmos. A ressalva apontada geralmente diz respeito ao
comportamento a ser tomado pelos proprietários quando estiverem circulando na
área comum do condomínio como, por exemplo, estarem os animais presos na
coleira; descer pelo elevador de serviço; recolher a sujeira sob pena de multa,
dentre outras.
A terceira situação apontada é quando inexistem regras expressas na
convenção do condomínio. Ora, o silêncio quanto a permissibilidade dos animais
de estimação enseja uma interpretação de que se pode perfeitamente tê-los porque
a legislação pátria não proíbe. O que não é proibido é permitido! No direito privado,
ao contrário do direito público, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe.
A controvérsia diz respeito à primeira situação, ou seja, quando existirem
regras expressas que proíbem a existência de animais de estimação nos
condomínio edilícios.
Em casos assim, é perfeitamente possível socorrer-se ao Judiciário para
ver garantido o direito de possuir animais de estimação, mormente porque a
legislação brasileira não proíbe. Se não há proibição pela lei geral, não é
permitido à convenção do condomínio fazê-lo.
O direito de possuir animais de estimação é uma garantia e uma liberdade
de quem os quer ter, não podendo regras proibitivas de condomínios, sem
respaldo legal, vigorar à margem da lei.
O Código Civil Brasileiro, responsável pelo regramento dos condomínios
edilícios - artigos 1.331 a 1358 – especificamente nada dispõe sobre a
permissibilidade ou não dos animais de estimação. Ora, conforme dito acima, se
não existem regras que proíbem, então é permitido.
No entanto,
não é somente o silêncio da lei que permite tê-los. De acordo com a legislação
brasileira, animais de estimação são considerados coisas, portanto, suscetíveis
de serem apropriados e possuídos pelo homem, fazendo parte do seu patrimônio,
como ocorre com outros bens quaisquer.
Ora, não é
crível admitir-se que as convenções de condomínio, por serem documentos
escritos firmados entre particulares, tenha o condão de proibir o direito de
propriedade e posse de outrem garantido pela lei civil brasileira.
Aliás,
o direito de propriedade é uma garantia constitucional, e proibir a posse e
propriedade dos animais de estimação em condomínios é ferir a própria
Constituição da República. A convenção condominial ou o regimento interno que
assim dispuser estará eivado do vício da inconstitucionalidade.
As
proibições da existência de animais de estimação impostas pelos condomínios
violam o direito de propriedade porquanto limitam esse direito constitucional,
ou seja, extirpam o direito de usar, gozar e fruir desse bem.
Outrossim,
dispõe o artigo 1.335, inciso I, do Código Civil:
Art. 1.335. São
direitos do condômino:
I - usar, fruir e
livremente dispor das suas unidades;
Portanto,
as convenções condominiais que proíbem animais de estimação estão violando não
só a Constituição da República no tocante ao direito de propriedade, como
também a legislação civil infraconstitucional que igualmente dispõe sobre o
direito de propriedade e posse, além da regra específica acima que garante ao
proprietário condômino o direito de usar, fruir e dispor livremente da sua
unidade.
Obviamente não se está a dizer que a liberdade de possuir animais de
estimação está acima de tudo e de todos.
O que impera entre os cidadãos de bem é o respeito mútuo e o pacífico
convívio entre as pessoas, principalmente nos condomínios edilícios. Por isso,
mesmo sendo uma garantia legal e constitucional possuir animais de estimação, o
bom senso e a razoabilidade deve ser observado.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no acórdão proferido pela
5ª Câmara de Direito Privado - autos de apelação n.º 9105791-97.2003.8.26.0000 – assentou que o “exercício do direito de propriedade não deve ser
obstado por convenção ou regulamento interno, salvo se causar risco ou incômodo
aos demais moradores. Inexiste motivo para admitir a limitação no caso
concreto. Presença de dois cães de pequeno porte, inofensivos e que não
interferem no sossego dos demais habitantes do prédio. Incidência do princípio
da razoabilidade, segundo o tolerável no convívio social”.
Assim, existindo conflito entre o direito
de propriedade e uma convenção condominial proibitiva, vige o bom senso e a
razoabilidade na análise de cada caso concreto.
Foge ao senso comum admitir-se, por exemplo, que animais
de grande porte frequentem lugares comuns extremamente pequenos, pois neste
caso há risco de ataque do animal com reduzida possibilidade de defesa da
vítima e dificulta, ainda, o direito de ir e vir das pessoas; ou também que
animais barulhentos interfiram no sossego dos moradores. Enfim, existe o
direito de propriedade sobre os animais, porém não pode ser encarado de forma
absoluta.
Noutra decisão advinda do Tribunal de
Justiça de São Paulo, o Eminente relator fundamentou sua decisão expondo:
É certo que o
regimento interno e a convenção não podem interferir no direito de propriedade
dos moradores de uma residência coletiva; porém, tais direitos não podem se
sobrepor aos da mesma comunidade (Apelação Cível n 268.420-2 Ubatuba, Sétima
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, rel.
Des. Benini Cabral). Do cotejo dos dois princípios acima mencionados, o que
deve prevalecer é o equilíbrio. Assim, se o animal não causar nenhum incômodo
ou risco aos demais condôminos, não podem a convenção ou o regimento proibir
sua permanência dentro da unidade autônoma de cada morador. Se, por outro lado,
existir o incômodo ou houver a possibilidade de riscos para o resto da
coletividade, a regra tem que ser seguida por todos os que nela habitam. (TJSP - Apelação nº
157.304-4/3, Relator Des. Oscarlino Moeller - 5ª Câmara de Direito Privado,
julgado em 05.09.07).
Outra situação que deve imperar é o respeito ao silêncio e ao sossego
dos moradores. Aliás, o próprio artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil, diz
que:
Art. 1.336. São deveres do condômino:
(...)
IV - dar às suas partes a mesma destinação
que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego,
salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
O respeito com o próximo e a razoabilidade é uma questão que deve sempre
ser observada por todos, quer seja o proprietário na escolha de um animal, quer
seja o condomínio na imposição das regras acerca do tema.
Portanto, uma convenção condominial que proíbe de forma genérica a
permanência de animais de estimação viola o direito constitucional de
propriedade na medida em que não se pode vedar o exercício deste direito dos
proprietários em usar, gozar e dispor da sua unidade autônoma, além do que,
especificadamente sobre animais de estimação, a legislação civil brasileira
nada diz.
Entretanto, eventuais restrições justificadas podem ser estipuladas
pelos condomínios quando houve perigo à segurança, regras sobre higiene,
perturbação do sossego alheio, enfim, restrições ponderadas e razoáveis que não
significa violação ao direito de propriedade até porque não se trata de um
direito absoluto e irrestrito.
Assim, aqueles que desejam a companhia prazerosa de um animal de
estimação podem buscar no Judiciário seu direito de possuí-los quando a
convenção do condomínio, de forma genérica e inexplicável, repita-se, proibir.
O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema, donde
colhemos a seguinte ementa:
DIREITO
CIVIL. CONDOMINIO. ASSEMBLEIA
GERAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA PELA MANUTENÇÃO DE ANIMAL EM UNIDADE AUTONOMA.
NULIDADE DA DELIBERAÇÃO. CONVENÇÃO E REGIMENTO INTERNO. PRECEDENTE DA TURMA.
RECURSO DESACOLHIDO.
I
- A condômino assiste legitimidade para postular em juízo a nulidade de
deliberação, tomada em assembleia geral, que contrarie a lei, a convenção ou o
regimento interno do condomínio.
II
- A exegese conferida pelas instancias ordinárias a referidas normas internas
não se mostra passível de analise em sede de recurso especial (Enunciado n. 5
da Sumula/STJ).
III
- Fixado, com base na interpretação levada a efeito, que somente animais que causem incômodo ou risco a
segurança e saúde dos condôminos e que não podem ser mantidos nos apartamentos,
descabe, na instancia extraordinária, rever conclusão, lastreada no exame da
prova, que concluiu pela permanência do pequeno cão. (STJ – Resp. 10250/RS RECURSO ESPECIAL 1991/0007439-0 – Relator MIN.
SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA – j. 23/03/1993).
O que se infere da decisão acima é que o condomínio somente pode impor
restrições ao direito do proprietário em possuir animais de estimação nas
unidades condominiais quando causar incômodo e houve perigo à saúde e segurança
dos demais moradores.
Concluindo, as convenções de condomínio devem ser elaboradas com
precisão e seguir os mandamentos legais estipulados na lei civil brasileira,
além de outras regras que satisfaçam o convívio pacífico entre os moradores. No
entanto, tais convenções não podem extirpar de forma genérica o direito de
propriedade daqueles moradores que desejam possuir um animal de estimação, sob
pena de violar o direito de propriedade, previsto na lei civil e na
Constituição da República. Referido direito, entretanto, não é absoluto porque
pode ser relativizado quando em conflito com o direito dos outros moradores no
tocante ao sossego, saúde e segurança, por exemplo.
Assim, deve vigorar entre os moradores de condomínios edilícios o bom
senso e a razoabilidade, inclusive no tocante às regras acerca dos animais de
estimação. Caso contrário, havendo proibição geral ou regras desarrazoadas inseridas
na convenção condominial, medidas judiciais podem ser tomadas para garantir o
direito de propriedade daqueles que os desejam possuir em suas unidades
autônomas, desde que respeitando, sempre, o direito dos demais pares.