quinta-feira, 27 de julho de 2017

PENSÃO ALIMENTÍCIA PARA A MULHER GESTANTE

Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa
Grande parte das ações que tramitam no Poder Judiciário são demandas familiares. As situações fáticas são as mais diversas possíveis e cada caso deve ser analisado pormenorizadamente porque a realidade vivenciada por uma pessoa ou uma família certamente não é igual a outra. Uma determinada ação de guarda de filho menor, por exemplo, não é igual a uma outra ação onde também se discute a guarda. Cada caso é um caso.
Dentre as várias ações de família, existem aquelas que envolvem pensões alimentícias. De igual forma, são variadas as necessidades de cada um, ou seja, numa ação de divórcio a mulher pode pedir alimentos ao ex-marido ou vice-versa; um filho pode pleitear pensão alimentícia aos pais ou avós; pais ou avós podem pedir aos filhos; uma mulher grávida pode pleitear os alimentos contra o pai da criança durante a gravidez, dentre outras. Esta última situação é o objeto deste artigo.
Muitas mulheres que se encontram grávidas desconhecem o direito que lhes assiste em buscar uma pensão alimentícia contra o pai da criança quando este permanecer inerte e silente quanto a ajuda que a grávida necessita durante a gestação.
Sabe-se que há casos em que o homem desconhece completamente a futura paternidade que lhe espera, geralmente porque o relacionamento com a gestante perdurou por curto período de tempo, não indo além de um simples namoro ou encontro casual. Mas há também situações em que o futuro pai abandona o relacionamento quando sabe ou desconfia da gravidez da mulher.
Assim, pacificando o que já era aceito pela doutrina e pela jurisprudência, no final do ano de 2008 foi publicada a Lei n.º 11.804, de 05 de novembro de 2008, que dispõe sobre o direito aos alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido.
A Lei dos Alimentos Gravídicos é o direito de alimentos da mulher gestante, cujo objetivo é obter os cuidados necessários para uma boa gestação visando a saúde da mulher e do nascituro (aquele que irá nascer).
O conceito trazido pelo doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, na obra “Direito Civil Esquematizado – volume 3”, pág. 710, 3ª edição, ano 2016, editora Saraiva, diz o seguinte:

Alimentos gravídicos, segundo o art. 2º da citada Lei, são os destinados a cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto”.

O artigo 2º da Lei 11.804/2008 traz um rol exemplificativo de situações que os alimentos gravídicos devem compreender, na qual é de suma importância para se arbitrar o valor dos alimentos.
Diz o referido artigo:

Art. 2º. Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. 

Portanto, é necessário comprovar as despesas decorrentes da gravidez, como as consultas médicas, medicamentos, exames, internações, parto, dentre outras, inclusive há decisões em que se coloca como despesas as roupas necessárias para a gestante e o enxoval da criança.

(...)
3.Certo é que os gastos pleiteados decorreram em função da preservação da saúde e bem-estar da menor, enquanto nascituro, envolvendo exames médicos e medicamentos para a apelante genitora, bem como enxoval, cabendo, portanto, aos genitores custear tais despesas. (...) (TJ-BA - APL: 00003697720148050134, Relator: Rosita Falcão de Almeida Maia, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 15/03/2017)

A Lei é clara quanto ao tempo de duração dos alimentos gravídicos quando impõe que os mesmos se darão “da concepção ao parto”, ou seja, desde o momento em que houve a concepção na qual é aferida com o exame médico pertinente e perdura até o nascimento da criança com vida.
O parágrafo único do artigo 2º da Lei 11.804/2008 traz regras de solidariedade entre os pais quando dispõe que ambos devem arcar com as despesas da gravidez, dentro das proporções dos recursos financeiros de cada um. Vejamos:

Parágrafo único.  Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos. 

Assim, não necessariamente cada um dos pais deve arcar com 50% das despesas da gravidez. Cada um se responsabilizará com a verba alimentar conforme a sua condição financeira permitir.
Atenção especial deve ser dirigida ao artigo 6º da Lei em comento. Vejamos o que diz a norma:

Art. 6º. Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.

Conforme descrito, a paternidade não necessita ser comprovada de maneira absoluta, bastando a existência de indícios de quem é o pai da criança. O indicativo do relacionamento entre o casal pode se dar através da apresentação de cartas, fotografias, mensagens, redes sociais, enfim, meios probatórios de que o pai é aquela pessoa indicada, já que se relacionava com a mãe no tempo da concepção do filho.
A norma, num primeiro momento, pode causar estranheza pelo fato de que alguém pode ser compelido a pagar alimentos gravídicos à gestante sem que o juízo tenha a certeza absoluta de quem é o pai. Entretanto, não se está a dizer que basta apenas a palavra da mãe. É necessário que ela prove, através dos meios que possui, que havia um relacionamento entre o casal.
Ademais, a norma visa proteger a gravidez saudável, permitindo à mãe um parto sem complicações e ao nascituro o desenvolvimento sadio e vigoroso. Nenhum sentido prático teria a Lei dos Alimentos Gravídicos se houvesse a necessidade de exames prévios para aferir a paternidade, já que poderia demandar tempo até a conclusão da apuração, ultrapassando os 09 (nove) meses da gestação.
Outro ponto de crucial importância é o parágrafo único do artigo 6º da Lei, assim redigido:

Parágrafo único.  Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão. 

Quem ingressa com a ação dos alimentos gravídicos é a mãe, ou seja, é ela quem necessita da verba alimentar para auxiliar a sua gestação. Após o nascimento da criança, com vida, estes alimentos são automaticamente convertidos em pensão alimentícia para o menor, passando a criança a ser o credor dos alimentos e não mais a mulher.
Assim, havendo a necessidade da revisão do valor da pensão alimentícia após o nascimento do menor, seja para aumentar, seja para diminuir, ou ainda para exonerar, o autor ou o réu na demanda não será mais a mãe e sim a criança representada pela mãe. Fato importante é que não precisará ingressar com uma nova ação e sim dar continuidade naquela já distribuída.
Outrossim, ao ingressar com os alimentos gravídicos, a gestante poderá pleitear alimentos provisórios, uma espécie de liminar concedida pelo juízo onde se estipula um valor temporário da pensão, antes do arbitramento final através da sentença. Isto porque as disposições da Lei 5.478/68, que trata das ações de alimentos em geral, são aplicadas supletivamente nas demandas específicas dos alimentos gravídicos e naquela lei há a previsão expressa acerca dos alimentos provisórios.
Uma questão bastante importante foi discutida na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, onde foi aprovado o Enunciado 522, cuja redação é a seguinte:

Cabe prisão civil do devedor nos casos de não prestação de alimentos gravídicos estabelecidos com base na Lei n. 11.804/2008, inclusive deferidos em qualquer caso de tutela de urgência.

Portanto, fixados os alimentos gravídicos pelo juiz, seu recebimento é importante para a gestante e fundamental para a sobrevivência do nascituro. Quando o devedor não cumprir com a sua obrigação, poderá ele ser preso se não pagar a verba alimentar arbitrada.
Por fim, não é difícil perceber a angústia e a frustração das mulheres que ao descobrirem a gestação acabam abandonadas pelos companheiros, namorados, enfim, desassistidas neste momento tão importante da vida, principalmente quando os gastos advindos da gravidez aumentam demasiadamente.
Não é preciso esperar o nascimento da criança para pleitear os alimentos. Podem as gestantes, quando desamparadas pelo pai da criança, desde já pedir os alimentos gravídicos que são devidos desde a concepção até o parto.
Destarte, uma divulgação maior, mais eficiente e mais abrangente deve ser realizada pelos meios de comunicação, órgãos de atendimento e amparo à mulher, dentre outros, informando sobre o direito da gestante em buscar na justiça os alimentos necessários para a saudável gestação, compelindo o pai a assumir a sua obrigação de prover o essencial para a gestante e para o desenvolvimento do filho que irá nascer.

Não se pode obrigar alguém a gostar do outro; não se pode obrigar o pai a gostar do filho. Entretanto, o dever de prestar assistência material ao nascituro e posteriormente ao nascido com vida é decorrente do nosso sistema normativo, cujo objetivo principal é garantir as condições necessárias para a sobrevivência do filho. Os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, dentre eles os alimentos, se sobrepõe às atitudes desarrazoadas de pais omissos.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

CONSIDERAÇÕES SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL

Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa



A sociedade está em constante transformação, e com isso evoluem os conceitos sobre relacionamentos na medida em que novas experiências vão surgindo e sendo reveladas. Nunca haverá unanimidade nos pensamentos conceituais porque as experiências de vida de cada grupo social os levam a definir as relações familiares conforme o convívio específico com a sua comunidade. Neste contexto, conceituar “família” não é uma tarefa fácil.
No direito a situação não é diferente. Não há unanimidade entre os estudiosos acerca de inúmeros conceitos jurídicos e dentre eles a definição do que é “família”.
Entretanto, partindo especificamente para o sistema normativo brasileiro, as normas, princípios e regras devem obrigatoriamente acompanhar o avanço da sociedade e se atualizar conforme as situações vão surgindo. Neste prisma, o direito de família ganha especial atenção, pois está diretamente ligado com as mudanças e evoluções ocorridas no dia a dia da sociedade, atingindo a vida das pessoas e seus relacionamentos familiares, onde há regras a serem seguidas, com direitos e deveres que por todos devem ser observados.
Aliás, o Estado tem o dever constitucional de proteger a família, conforme se extrai do artigo 226, caput, da Constituição Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Dentre os avanços específicos do direito de família, a união estável ganha importante destaque no cenário social porque grande parte da população brasileira vivencia essa realidade.
O conceito constitucional de união estável pode ser encontrado no § 3º do artigo 226 da Constituição da República. Vejamos:
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Já o conceito legal de união estável vem descrito no artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro:
É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Com o reconhecimento da união estável pela Constituição da República, a família se pluralizou, pois o conceito de entidade familiar vai além do casamento, envolvendo também relacionamentos não matrimoniais.
Entretanto, é necessário informar que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e declarou que o artigo 1.723 do Código Civil é inconstitucional porque o artigo 3º, IV da Constituição da República proíbe discriminações e preconceitos em virtude da cor, raça, idade, sexo, enfim, reprova qualquer forma de intolerância e tratamentos desiguais entre as pessoas. Portanto, hoje, para configurar uma união estável não necessariamente precisa ser entre um homem e uma mulher e sim entre duas pessoas.
Assim, podemos conceituar a união estável como sendo o relacionamento público entre duas pessoas, contínuo e duradouro, cujo objetivo principal é constituir família.
Extrai-se deste conceito alguns requisitos que devem obrigatoriamente ser observados para configurar uma união estável.
O primeiro deles é que o relacionamento deve ser público, ou seja, aos olhos da sociedade os conviventes se apresentam como uma família. Encontros esporádicos ou casuais, mesmo com duração longa, não caracterizam a união estável.
O segundo requisito é a continuidade, significando que o relacionamento deve ser constante, firme e estável a merecer a proteção estatal. De igual forma do requisito anterior, encontros casuais, ainda que públicos ou prolongados, não pode ser considerado como intenção de constituição de família.
Já o terceiro diz respeito ao tempo. O relacionamento deve ser duradouro, o que não quer dizer que há prazo mínimo de convívio como outrora era exigido um tempo superior de 05 anos de convivência (Lei 8.971/94). A duração do relacionamento, hodiernamente, não exige prazo e sim estabilidade de uma relação tendente a perdurar no tempo.
O quarto requisito com certeza é o principal. Para se configurar uma união estável aos olhos da lei, os conviventes necessitam trazem consigo o desejo de constituir família. Se há convívio contínuo, duradouro ou público, mas o objetivo do casal não é constituir família, não há união estável, podendo ser, por exemplo, um namoro. O que justifica a proteção estatal é a verificação dos interesses na formação da família.
Aliás, constantemente o Poder Judiciário é chamado a decidir sobre demandas de reconhecimento e dissolução de união estável. As provas trazidas pelas partes é que demonstrarão, no caso concreto, a existência ou não de uma união estável passível de proteção estatal. Não raras vezes, o que se configura é um namoro por faltar o objetivo principal da união estável que é a constituição de família.
Portanto, o fato de um casal que não optou pelo matrimônio não significa que o convívio entre eles é uma união estável. Para configurá-la é preciso obedecer aos requisitos acima apontados.
Um ponto importante a ser observado é que na união estável não pode haver entre o casal os mesmos impedimentos elencados para quem opta pelo matrimônio. Tais impedimentos estão descritos no artigo 1.521 e mencionados no artigo 1.723, § 1º, ambos do Código Civil Brasileiro.
É importante destacar, também, que a coabitação não é requisito obrigatório para se configurar a união estável. Nos deveres descritos no artigo 1.723 e 1.724 do Código Civil não há esta obrigatoriedade. Inclusive a jurisprudência dos tribunais superiores já se pronunciou sobre isso. No entanto, é obvio que numa demanda judicial a coabitação, aliada aos demais requisitos obrigatórios da união estável, é um meio importante de prova para quem deseja reconhecer a união estável.
Os deveres pessoais da união estável estão elencados no artigo 1.724 do Código Civil, como lealdade, respeito mútuo, assistência, guarda e educação dos filhos, quando houver. Já as relações patrimoniais entre os conviventes estão descritos no artigo 1.725, destacando-se que a regra do regime de bens na união estável é a comunhão parcial, salvo se o casal registrar em contrato escrito o interesse em regime diverso.
Quanto ao contrato de união estável, é preciso destacar que não é obrigatória a sua confecção. Muitos o fazem para fins de dependência exigidos pelos planos de saúde, por exemplo. No entanto, também não deixa de ser um meio de prova numa eventual demanda judicial. O que não se permite é utilizar deste instrumento para fins maléficos, trazendo prejuízos ao convivente.
Por fim, união estável não deve ser confundida com concubinato. Este, conforme descrito no artigo 1.727 do Código Civil, trata-se de uma relação não eventual entre um casal impedido de casar.
O tema aqui desenvolvido tem o objetivo de esclarecer de forma simples e amena os requisitos para configurar uma união estável e afastar dúvidas que porventura possam surgir. Certamente existem inúmeras outras questões de ordem técnica que permeiam o relacionamento pautado na união estável, porém não é a finalidade deste artigo.
Diante das breves considerações acima, percebe-se que o Estado, com a Constituição da República, tutelou a pluralidade familiar reconhecendo que os relacionamentos extramatrimoniais devem igualmente merecer proteção quando atenderem aos requisitos descritos na norma, criando direitos e deveres a quem opta pelo convívio em união estável. O reconhecimento da pluralidade familiar com a chancela protetiva do Estado é um nítido respeito às opções dos cidadãos e está intimamente relacionado com os objetivos de acabar com qualquer tipo de discriminação.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

PENSÃO ALIMENTÍCIA PARA MAIORES DE 18 ANOS

Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa. Advogado

A pensão alimentícia é um tema importante porque atinge grande parte da população brasileira. No presente artigo, a abordagem será o pagamento da pensão quando envolver ascendentes e descendentes (pais/filhos; avós/netos) e não ex-cônjuges ou companheiros.

 Para conceder os alimentos é preciso verificar se os requisitos legais estão presentes e cada caso é analisado de maneira pormenorizada para se detalhar a forma do pagamento, os valores, as atualizações e principalmente o tempo de duração da obrigação alimentar. As minúcias objetivam afastar qualquer dúvida acerca desta incumbência.

O pressuposto básico das pensões alimentícias é o binômio necessidade/possibilidade, ou seja, comprova-se a necessidade de quem as recebe e a possibilidade de quem as paga.

O marco inicial do direito a pensão não enseja maiores esclarecimentos porque a lei é clara ao dizer que “os alimentos fixados retroagem à data da citação” (artigo 13, § 2º da Lei 5.478/68), ou seja, inicia-se no momento em que o devedor toma conhecimento da ação contra ele proposta.
Situação diversa se refere ao término dos direitos e deveres alimentares, daí a necessidade de se detalhar o tempo de duração da referida obrigação.

Os devedores de pensão alimentícia muitas vezes trazem consigo a errônea ideia de que a maioridade dos credores (18 anos de idade) é o marco para extinguir automaticamente a obrigação alimentar.

Da mesma forma, muitos credores que atingem a maioridade equivocadamente consentem com o término do pagamento da pensão alimentícia, quedando-se silentes e inertes, mesmo conscientes de que aquela verba alimentar ainda é de extrema necessidade para auxiliá-los na manutenção das suas condições mínimas de sobrevivência.

Entretanto, a maioridade civil não é empecilho para a continuação do recebimento das pensões alimentícias.

Se de um lado o sistema normativo brasileiro disciplina o tema referente aos alimentos e os procedimentos para a sua concessão (Código Civil; Lei 5.478/68; Estatuto da Criança e do Adolescente; Constituição da República), de outro o Poder Judiciário tem papel primordial na resolução dos problemas porventura existentes, principalmente solucionando as questões relativas ao tempo de duração do pagamento da pensão alimentícia.

Os pais, independentemente da situação conjugal, têm a obrigação legal de exercer plenamente o seu “poder familiar” em relação aos filhos menores (artigo 1.630 e 1.634 do Código Civil), conduzindo a criação e a educação dos mesmos e gerindo a vida dos filhos até completarem 18 anos de idade. Dentre as obrigações está o pagamento da pensão alimentícia aos menores. Do poder familiar decorre diretamente o “dever de sustento”.

Diz ainda o Código Civil Brasileiro:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

Art. 1.703. Para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos.

Portanto, a menoridade dos filhos impõe a obrigação legal do devedor de pagar a pensão alimentícia a quem os necessita. Há uma presunção de dependência.

Entretanto, conforme dito alhures, a situação do pagamento de pensão para os filhos que atingiram a maioridade é divergente e debatida na doutrina e na jurisprudência porque inexiste regramento legal expresso que menciona o marco final do pagamento da verba alimentar. A situação fática é analisada caso a caso e a construção jurisprudencial é a fonte primordial para o deslinde da controvérsia.

Se a maioridade do filho capaz faz encerrar o poder familiar e o dever obrigacional de sustento, de outro lado permanece uma relação de parentesco entre os pais e os filhos. Por isso, quando a prole maior de idade não puder por si mesmo se sustentar e provar a necessidade da pensão para suprir suas necessidades básicas de sobrevivência, os pais deverão continuar com o pagamento dos alimentos. Não se trata agora do dever de sustento e sim do “dever de solidariedade”.
 
Filho menor: poder familiar dever de sustento
Filho maior: relação de parentesco dever de solidariedade

A Solidariedade é Princípio Constitucional descrito no artigo 3º, I, da Constituição da República, ao lado dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Afetividade (artigo 1º, III; 226, § 7º; 227; 229), todos inerentes ao dever solidário dos pais em prestar assistência material à prole maior de 18 anos que ainda necessita de pensão alimentícia para sobreviver.

Aliás, ser solidário no âmbito familiar não impõe apenas a assistência material, mas também mútuo dever de afeto, respeito, cooperação e ativa participação na condução da vida dos filhos.

Completar 18 anos de idade nem sempre significa estar totalmente apto para sozinho reger a sua própria vida financeira. Diante disso, deixar de pagar a pensão alimentícia a quem provar a necessidade da sua permanência, ao parvo argumento de que o atingimento da maioridade faz cessar o dever de ajuda, é ir totalmente contra os princípios constitucionais que abraçam o caso e principalmente macular a vida do seu semelhante.

No intuito de pacificar o tema sobre o não cancelamento automático do pagamento da pensão sob a alegação apenas da maioridade, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 358. Vejamos:

STJ - Súmula 358. O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos.

Se os pais entenderem que os filhos, com a maioridade, não mais necessitam da pensão, deverão ingressar com uma “Ação de Exoneração de Alimentos”, respeitando o contraditório e a ampla defesa. Aos filhos, se ainda necessitarem da verba alimentar, caberão provar que o pagamento dos alimentos deve continuar.

Outrossim, deixar de pagar a pensão ao filho inexistindo decisão judicial ou acordo expresso, abrir-se-á ao credor necessitado a possibilidade de execução das parcelas que não foram pagas, garantindo seu direito quanto ao recebimento dos alimentos.

Assim, detalhar no início do pagamento da pensão todos os pormenores que envolvem a obrigação alimentar, e dentre eles o termo final do pagamento, é importante para se tentar evitar discussões desarrazoadas entre familiares e futuras demandas desgastantes.

Não podemos olvidar que as situações fáticas variam de uma pessoa para outra e também se modificam com o passar do tempo, ou seja, ainda que exista o termo final expresso, este não é absoluto e poderá o caso ser apreciado pela justiça para postergar ou mesmo reduzir o prazo outrora estipulado.

Mas é importante ressaltar que o pagamento da pensão não poderá se eternizar no tempo, evitando-se, assim, a ociosidade do filho. Além disso, pensão não é salário e tão pouco renda extra.

O posicionamento jurisprudencial convencionou que a idade limite perdura até os 24 anos de idade, que é a média para formação nos cursos universitários, a partir do qual está apto a inserir-se no mercado de trabalho. Antes disso, a frequência em curso de ensino superior pressupõe a necessidade de continuar a receber a pensão para a ajuda do pagamento da mensalidade, materiais escolares e outros custos.

Há um posicionamento minoritário de que os filhos devem receber a pensão alimentícia até os 24 anos de idade, desde que frequentem curso de ensino superior ou escola técnica de segundo grau, porque até esta idade são considerados dependentes dos pais para fins de imposto de renda, nos termos do artigo 77, § 2º do Decreto 3.000/99. Malgrado este entendimento, por certo as leis específicas do direito de família nada falam sobre o marco final do pagamento da pensão, não podendo um decreto tributário querer fazê-lo.

Por isso, os critérios da hierarquia e da especialidade prevalecem na solução do conflito aparente de normas e impõe definitivamente que não há regramento legal expresso sobre a data final para o pagamento da pensão alimentícia quando não acordado entre as partes.

Frisa-se, por oportuno, que existe uma situação fática em que os alimentos podem cessar. É o caso do credor de alimentos que contrai núpcias ou convive em união estável e cuja regra incide tanto para a pensão entre ex-cônjuges e também para os filhos que percebem alimentos dos genitores, independentemente de serem maiores ou menores de idade. A regra está disposta no artigo 1.708 do Código Civil Brasileiro.

Diante dos argumentos até agora empossados, destaca-se que a posição dos nossos Tribunais é firme quanto ao tema, na qual destacamos os seguintes julgados:


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS – ATINGIDA MAIORIDADE CIVIL PELA ALIMENTADA – FREQUÊNCIA A CURSO UNIVERSITÁRIO – NECESSIDADE DEMONSTRADA – MANUTENÇÃO DOS ALIMENTOS – RECURSO NÃO PROVIDO. Atingida a maioridade civil, a necessidade em receber os alimentos não mais é presumível, devendo haver prova da impossibilidade de custeio do sustento próprio, porque a obrigação de prestá-los deixa de fundar-se no poder familiar e passa a ter alicerce nas relações de parentesco. Ademais, o dever de prestar alimentos deve socorrer aos efetivamente necessitados e não servir de estímulo à ociosidade. (TJMS – Apelação - 0803360-55.2014.8.12.0018 - Relator Des. Divoncir Schreiner Maran; 1ª Câmara Cível; Data do julgamento: 29/09/2015; Data de registro: 05/10/2015)


AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. FILHO MAIOR DE IDADE. SUSPENSÃO LIMINAR DO PAGAMENTO DA PENSÃO ALIMENTÍCIA. DESCABIMENTO. DEVER DE SOLIDARIEDADE DECORRENTE DA RELAÇÃO PARENTAL. ARTIGO 1.694 DO CÓDIGO CIVIL. Em se tratando de ação de exoneração de pensão alimentícia, inviável se opere a exoneração por decisão liminar, quando não há presente prova cabal acerca da real diminuição da capacitação financeira do alimentante e de modificação na necessidade da alimentanda. Necessária ampla dilação probatória, a fim de propiciar plena análise do binômio necessidade-possibilidade. Agravo de instrumento provido. (TJ-RS - AI: 70065570517, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 30/09/2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 06/10/2015)


PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. CURSO SUPERIOR CONCLUÍDO. NECESSIDADE. REALIZAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. O advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado. 2. É presumível, no entanto, - presunção iuris tantum -, a necessidade dos filhos de continuarem a receber alimentos após a maioridade, quando frequentam curso universitário ou técnico, por força do entendimento de que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional. 3. Porém, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco, que tem por objetivo, tão só, preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado. 4. Em rigor, a formação profissional se completa com a graduação, que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior especialização, podendo assim, em tese, prover o próprio sustento, circunstância que afasta, por si só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante. 5. Persistem, a partir de então, as relações de parentesco, que ainda possibilitam a percepção de alimentos, tanto de descendentes quanto de ascendentes, porém desde que haja prova de efetiva necessidade do alimentado. 6. Recurso especial provido. (STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 1.218.510 - SP (2010/0184661-7) - Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 27/09/2011, TERCEIRA TURMA, unânime)


PROCESSUAL CIVIL E DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL. FILHO MAIOR DE IDADE. SÚMULA 358/STJ. 1. "O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos" (Súmula 358/STJ). 2. No caso, trata-se de execução de alimentos, havendo as instâncias ordinárias preconizado que, em momento algum, houve a notícia de que o alimentante tenha promovido ação de exoneração de alimentos em face de sua filha. Também ficou registrado que não houve qualquer decisão judicial, nem de contraditório, a determinar a extinção alimentar. 3. Logo, nos termos da referida Súmula 358/STJ, não é possível, nesta oportunidade, concluir pela pretendida exoneração dos alimentos, pois não foi propiciada à alimentanda a oportunidade de comprovar se efetivamente ainda deles necessita, mesmo que ela conte com idade mais avançada. 4. Agravo regimental não provido. (STJ -  AgRg nos EDcl no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 398.208 – RJ (2013⁄0319134-2) - Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 07/11/2013, QUARTA TURMA, unânime)


DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA COM A MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Com a maioridade cessa o poder familiar, mas não se extingue, ipso facto, o dever de prestar alimentos, que passam a ser devidos por força da relação de parentesco. Precedentes. 2. Antes da extinção do encargo, mister se faz propiciar ao alimentando oportunidade para comprovar se continua necessitando dos alimentos. 3. Recurso especial não conhecido (STJ - REsp 688.902⁄DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 16⁄08⁄2007, DJ 03⁄09⁄2007, p. 181).



ALIMENTOS. MAIORIDADE DO ALIMENTANDO. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA DA PENSÃO. INADMISSIBILIDADE. – Com a maioridade, extingue-se o poder familiar, mas não cessa, desde logo, o dever de prestar alimentos, fundado a partir de então no parentesco. – É vedada a exoneração automática do alimentante, sem possibilitar ao alimentando a oportunidade de manifestar-se e comprovar, se for o caso, a impossibilidade de prover a própria subsistência. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp 739004⁄DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 15⁄09⁄2005, DJ 24⁄10⁄2005, p. 346).


AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA. ART. 557, CAPUT, DO CPC. EXONERAÇÃO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA. FILHA MAIOR DE IDADE COM PROBLEMAS DE SAÚDE E INTERDITADA. NECESSIDADE COMPROVADA. Verificado que a alimentanda possui problemas psicológicos e é interditada e comprovada a necessidade dos alimentos, de ser mantida a obrigação do genitor de pagar alimentos. Agravo interno desprovido. (TJ/RS - AGV: 70052083763 RS , Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 12/12/2012, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 18/12/2012)


Conclui-se, assim, que a crença de que o pagamento da pensão alimentícia cessa automaticamente quando o credor atingir a maioridade civil (18 anos) deve ser afastada porque inexiste no ordenamento jurídico leis que determinam o marco final das referidas pensões quanto ao critério etário.

Para se evitar surpresas desagradáveis às partes, o correto é minudar desde o início os vários aspectos da pensão alimentícia e dentre eles fixar o marco inicial e principalmente o termo final do pagamento da verba alimentar.

Não havendo o marco final, ao devedor resta ingressar judicialmente com uma ação de exoneração de alimentos caso entenda que a maioridade faz cessar a obrigação alimentar, e ao credor, defender-se na demanda se ainda necessitar da verba para manter as suas condições mínimas de sobrevivência. Se o devedor simplesmente quedar-se inerte quanto ao pagamento da pensão alimentícia, ao argumento de que o credor atingiu a maioridade civil, poderá ter contra si uma possível execução das prestações não pagas.

A construção jurisprudencial mostra ser crível que o pagamento da pensão alimentícia se prolongue até aos 24 anos de idade, desde que o credor frequente curso de nível superior, cujo tempo é suficiente para a formação e início da sobrevivência por si mesmo. Ressalta-se, outrossim, que o filho maior pode necessitar dos alimentos por não possuir condições de saúde que lhe permitam sozinho se manter, cabendo ao devedor a continuidade do pagamento da pensão.

É importante lembrar que o arbitramento da pensão alimentícia não faz coisa julgada, podendo ser revista a qualquer tempo, seja para reduzir o valor, seja para majorar a verba ou ainda para exonerar o pagamento, desde que, obviamente, respeitados os princípios primordiais do contraditório e da ampla defesa.


As relações obrigacionais pertinentes ao direito de família devem pautar-se na mais lídima boa-fé e assistência mútua. Lidar com situações onde há quebra de relacionamento exige atenção e cuidado para que a condição não se agrave com o tempo. Por isso, a clareza dos diversos assuntos inerentes ao direito familiar é pressuposto básico para minorar os sofrimentos das rupturas porventura existentes, trazendo consigo a tão desejada segurança jurídica.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Comentários à Lei n.º 13.144/2015 que alterou a Lei n.º 8.009/1990 (Lei do Bem de Família). Prejuízos ao credor da pensão alimentícia

                                     
                                      Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa. Advogado. Pós graduado
                                     
O “bem de família” é um instituto jurídico que garante proteção patrimonial familiar, assegurando, assim, as mínimas condições para uma digna sobrevivência. Pode ser instituído por vontade própria, observadas as regras do Código Civil Brasileiro (artigos 1.711 e seguintes úteis) ou, independentemente da manifestação de vontade, ganhar força normativa erga omnes através da Lei 8.009/1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade deste instituto.

O artigo 1º da Lei descreve o seguinte:O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”. O parágrafo único diz:A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

O artigo 5º traz o conceito de residência:Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.

Via de regra, o devedor, quando executado, responde com todo o seu patrimônio pelas dívidas adquiridas, ressalvadas as exceções legais (artigos 648 e seguintes do CPC), cujos bens podem ser afetados pelo ato da constrição, penhorando-os para garantir o pagamento da dívida ao credor.

No entanto, quando o imóvel do devedor se amoldar nos conceitos de bem de família, a lei determina uma proteção patrimonial consistente na impossibilidade de se penhorar o imóvel utilizado como moradia familiar permanente.

Ocorre que a impenhorabilidade do bem de família comporta as exceções elencadas no artigo 3º da Lei 8.009/1990, a saber:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (grifamos) (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens;
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Veja que a regra da impenhorabilidade não é absoluta porquanto há exceções advindas na própria lei que regulamenta o tema. Dentre o rol do artigo 3º, citamos a permissão de se penhorar bem imóvel do devedor para garantir o pagamento de dívidas provenientes de pensão alimentícia, mesmo tratando-se de bem de família (inciso III).

Antes da Lei 13.144/2015, o imóvel do devedor respondia integralmente pelo não pagamento da pensão alimentícia ao credor, ou seja, a penhora poderia incidir sobre a totalidade do bem imóvel. Pelo menos era o que descrevia o anterior inciso III do artigo 3º da Lei 8.009/1990, interpretando-o literalmente. A redação original era: “(...) III – pelo credor da pensão alimentícia”.

Essa exceção da impenhorabilidade quando se tratar de crédito alimentar foi restringida com o advento da Lei 13.144/2015, de 06 de julho de 2015, que alterou o inciso III do artigo 3º da Lei 8.009/1990, assegurando especial proteção ao patrimônio do novo cônjuge ou companheiro do devedor de pensão alimentícia. É uma exceção da exceção.

Entretanto, a doutrina e a jurisprudência, antes da vigência da nova lei, já se inclinavam no sentido de se preservar a metade do bem imóvel pertencente ao cônjuge ou companheiro do devedor de alimentos, por vezes assentando que o imóvel sequer poderia ser penhorado.

Nas situações fáticas em que o credor de alimentos solicitava a penhora da totalidade do imóvel do devedor para garantir o pagamento da dívida alimentar, mesmo se tratando de bem de família, a preservação da cota-parte do cônjuge ou companheiro era buscada através dos Embargos de Terceiro no intuito de se desconstituir a penhora outrora determinada. O pedido era baseado na Súmula 134 do STJ (“Embora intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de sua meação”); artigo 1.228 do Código Civil, dentre outros.

Malgrado os posicionamentos contrários, estamos tratando de dívida alimentar, direito personalíssimo do credor, e não dívidas outras que possibilitam discussões jurídicas sobre preservação de meação através de Embargos de Terceiro, com invocação de súmula ou outra norma da legislação. Dívidas de alimento, por sua natureza, não podem ser comparadas com outras dívidas gerais e/ou quirografárias.

Com o advento da nova lei, certamente a interposição dos Embargos de Terceiros serão minorados nas situações concernentes à pensão alimentícia, já que o credor dos alimentos, por expressa disposição legal, tem agora plena consciência de que poderá requerer a penhora de somente metade do imóvel do devedor, resguardando-se os direitos de propriedade do cônjuge ou companheiro. Ainda que se intente a penhora sobre a totalidade do imóvel, poderá o juiz de plano indeferir o pedido ou aceitar a constrição somente sobre a parte pertencente do devedor.

Apenas a título de esclarecimento, o resguardo da meação do cônjuge ou companheiro do devedor da pensão alimentícia depende do regime de bens provenientes da nova relação conjugal ou da união estável.

Em que pese ainda as colocações adversas, e respeitando as posições divergentes, entendo que o novo inciso III do artigo 3º da Lei 8.009/1990 não comporta interpretação ampliativa. Se o legislador quisesse tornar totalmente impenhorável o bem de família do devedor de dívidas alimentícias que contraiu novas núpcias ou convive com outrem, teria revogado o referido inciso e não restringido o seu alcance.

Com a nova Lei, se o devedor é casado ou possui união estável com outrem, o seu imóvel, ainda que se trate de bem de família, poderá sim sofrer constrição judicial através da penhora para garantir o pagamento ao credor, mesmo que não atinja a totalidade do bem, cumprindo o que a lei determinada para resguardar os direitos que o cônjuge ou convivente possui sobre o imóvel penhorado, reservando-se a sua quota parte ou meação.

Assim, ainda que a nova lei tenha restringido o alcance da constrição para somente a metade pertencente ao devedor, num nítido retrocesso, por certo não há que se falar em impossibilidade total de penhora do bem de família, porque não é isso o que a lei editou. As teses e decisões que afastavam a penhora sobre a totalidade do bem imóvel familiar do devedor não mais subsistem ante a dicção legal da alteração legislativa. Se assim não ocorrer estar-se-á praticando atos contra a legalidade posta.

Outrossim, situações extravagantes poderão existir. Havendo a penhora e consequentemente a arrematação da cota-parte do devedor em hasta pública, formar-se-á um condomínio entre o novo proprietário e o cônjuge ou companheiro do devedor que teve protegido o seu direito sobre a metade do imóvel.

Na legislação pátria há vários dispositivos que regulamentam as matérias atinentes aos condomínios e não é difícil perceber que problemas entre os coproprietários (novo proprietário e cônjuge ou companheiro do devedor) podem surgir facilmente, citando-se como exemplo dificuldades no rateio do pagamento das despesas; exigência unilateral de divisão da coisa comum; imposição sobre a venda do imóvel quando prejudicada a adjudicação a um só, dentre outros motivos que pode desencadear constrangimentos e intimidações desarrazoadas.

Doutro lado, a nova lei acabou por minorar as possibilidades do credor de alimentos ver satisfeito o pagamento do débito alimentar pelo devedor que contraiu novas núpcias ou convive em união estável. Se a dívida alimentar for maior que o valor da metade penhorada, o credor terá ainda que buscar contra o devedor outras formas legais para que a dívida seja quitada, e não raras vezes, o devedor não tem e não quer ter outros meios que possam garantir o pagamento do débito.

Por certo, a preservação dos direitos sobre a metade do imóvel conferida ao coproprietário cônjuge ou companheiro do devedor carrega em si o objetivo de justiça, segurança jurídica, dignidade da pessoa e da família, além dos direitos de uso, gozo e disposição inerentes à propriedade, quando revestido de boa fé.

Entretanto, com o advento da nova lei, poderá abrir ao devedor uma possibilidade, data venia, de lesão futura aos direitos do credor, já que aquele poderá contrair novas núpcias e posteriormente deixar de pagar a verba alimentar por um longo período de tempo, restando ao credor apenas pleitear a constrição de metade do bem imóvel, talvez insuficiente para a quitação integral do débito.

A alteração legislativa feita pela Lei 13.144/2015 carrega em si valores a serem ponderados. De um lado, restringiu-se o direito do credor de pensão alimentícia ver satisfeito o pagamento integral da verba alimentar, mais facilmente possível se a penhora fosse permitida sobre a totalidade do bem imóvel do devedor. De outro lado, a proteção ao patrimônio do novo cônjuge ou companheiro do devedor, resguardando-se a sua meação, mas que poderá ser usada como burla aos direitos do credor.

Entre a possibilidade de fraude e o recebimento da verba alimentar, não resta qualquer dúvida de que a última deve prevalecer, razão pela qual a nova complementação restritiva do inciso III do artigo 3º da Lei 8.009/1990, advinda com a Lei 13.144/2015, trará mais prejuízos ao credor da pensão alimentícia do que benefícios ao companheiro ou cônjuge do devedor de alimentos.

A única vantagem na alteração do referido inciso III é a tendência de se esgotar qualquer discussão sobre a impenhorabilidade total do bem de família do devedor casado, sob pena de incorrer o julgador em flagrante desrespeito à ordem legal expressa. Atos de excussão patrimonial sobre o imóvel familiar do devedor de alimentos são permitidos, ainda que somente sobre a sua cota-parte, afastando-se assim as decisões que impunham a impenhorabilidade integral do bem.


O direito como ciência deve evoluir na medida em que a sociedade avança no tempo. Por vezes justificável, a falta de sintonia e paralelismo entre as transformações é inerente do próprio sistema social, mas o retrocesso, nefasto, esvai a confiança depositada.