quarta-feira, 25 de setembro de 2013

BEM DE FAMÍLIA PODE SER PENHORADO PELO NÃO PAGAMENTO DAS DESPESAS DE CONDOMÍNIO

Autor: Marcelo Bacchi - advogado. Pós graduado em Direito Público (2012) e Ciências Penais (2013)

O mercado imobiliário brasileiro está aquecido. Inúmeras construtoras estão sendo criadas, ao passo que outras já consolidadas no mercado estão se expandindo para regiões outrora carentes e inclusive outros países. Não obstante, o crédito imobiliário está mais acessível à população ao passo que as várias opções de financiamento voltadas para os diferentes tipos de imóveis tornam o sonho da aquisição da casa própria uma realidade latente no país.

Construções residenciais se espalham por todos os bairros da cidade e as opções de compra são variadas a depender da classe do comprador, que poderá adquirir seu imóvel num condomínio de casas térreas ou uma unidade habitacional num prédio de apartamentos, por exemplo.

Apesar das facilidades do financiamento imobiliário, há quem prefira o aluguel por várias razões, seja porque ficará num local por tempo determinado e não definitivo, ou ainda porque intenta juntar recursos para adquirir seu imóvel próprio sem financiamento, enfim, somente a pessoa poderá saber qual a melhor opção a ser tomada.

A escolha da moradia num condomínio de edificações residenciais é uma decisão que deve ser conscientemente tomada pelo proprietário ou locatário porque, além da sua unidade privativa, existem áreas comuns compartilhadas por todos os condôminos.

Não se pode negar que há vantagens em morar no condomínio, quer seja pela segurança, quer seja pela área de lazer, enfim algumas vantagens que talvez não fosse possível tê-las caso residisse uma casa autônoma. Por outro lado, deve ter plena consciência que o respeito ao semelhante é uma regra básica dos condomínios, mormente porque desfrutará de locais comuns a todos os moradores.

Entretanto, não se pode olvidar que para desfrutar destas comodidades o morador de um condomínio edilício deve incluir nos seus gastos mensais mais uma despesa, qual seja, a taxa de condomínio.

Diz o artigo 1.336 do Código Civil:

São deveres do condômino:
I - contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;
(...)

Conforme previsto na lei civil, é obrigação do condômino pagar a taxa de condomínio, sob pena de serem tomadas medidas para o recebimento da mesma.

A primeira medida advém do próprio condomínio ao estipular sanções no caso de inadimplência, nos termos do § 1º do artigo 1.336 do Código Civil: § 1oO condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

Assim, caso haja atraso no pagamento da taxa condominial, serão devidos juros moratórios e multa. Neste caso houve o pagamento, porém tardio, e por consequência incidiu juros e multa.

Situação diversa ocorre quando o condomínio necessita ingressar em juízo para receber a taxa de condomínio.

Se a demanda for favorável ao condomínio, além dos juros e multa, poderá ocorrer ainda a condenação do devedor no pagamento dos honorários advocatícios e das custas processuais. Obviamente ao devedor, réu na ação, durante a tramitação da demanda judicial lhe é dada a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório.

Julgada procedente a ação e o condômino devedor efetuar o pagamento integral da dívida da qual fora condenado, o processo será extinto e arquivado.

Entretanto, há inúmeros casos em que o devedor não cumpre com a obrigação que fora condenado, deixando transcorrer o prazo para o pagamento sem se manifestar a respeito, cabendo então ao condomínio dar prosseguimento na ação.

Para garantir seu crédito no cumprimento da sentença, o autor (condomínio) poderá pedir ao juízo a penhora de bens do devedor.

Nos termos do artigo 655 do Código de Processo Civil, há uma ordem de preferência na penhora. Vejamos:

Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;
II - veículos de via terrestre;
III - bens móveis em geral; 
IV - bens imóveis
V - navios e aeronaves;
VI - ações e quotas de sociedades empresárias;
VII - percentual do faturamento de empresa devedora;
VIII - pedras e metais preciosos;
IX - títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado;
X - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado;
XI - outros direitos.

Assim, os bens imóveis constam no rol apresentado pelo artigo 655 do CPC e podem ser penhorados pelo juízo para garantir o pagamento da dívida condominial. Eis aqui o cerne da questão.

Nas dívidas de condomínio a própria unidade privativa, ou seja, o apartamento em si, poderá ser penhorado, ir a hasta pública e arrematado por terceiros, mesmo que este seja o único imóvel do devedor.

Há no direito brasileiro o instituto jurídico do “bem de família”. A Lei 8.009/90 que dispõe sobre a impenhorabilidade deste bem assenta no artigo 1º o seguinte: O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”. O artigo 5º conceitua residência: “para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente”.

Ocorre que o artigo 3º da lei traz um rol de exceções onde a penhora deste único bem imóvel é permitida.

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 439.003/SP, Relator Ministro Eros Grau, já se posicionou acerca do tema. Vejamos:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. BEM DE FAMÍLIA. PENHORA. DECORRÊNCIA DE DESPESAS CONDOMINIAIS.
1. A relação condominial é, tipicamente, relação de comunhão de escopo. O pagamento da contribuição condominial [obrigação propter rem] é essencial à conservação da propriedade, vale dizer, à garantia da subsistência individual e familiar --- a dignidade da pessoa humana. 2. Não há razão para, no caso, cogitar-se de impenhorabilidade. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

O artigo 1.715 do Código Civil Brasileiro, no mesmo sentido, dispõe: “o bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio”.

Veja que o artigo acima é claro ao excepcionar a regra da isenção do bem de família acerca das execuções por dívidas, na medida em que claramente estabelece que nas despesas de condomínio o bem imóvel objeto desta dívida poderá sofrer as consequências da execução e posterior perda deste bem.

Portanto, aquela noção de que o único bem imóvel não pode sofrer constrição judicial para pagamento de dívidas não é uma regra absoluta, comportando, portanto, exceções.

Os artigos acima demonstram cabalmente que a regra da impenhorabilidade do único bem imóvel sofre exceções em várias situações distintas, como por exemplo, para garantir dívidas trabalhistas de empregados da residência; pagamentos de pensão alimentícia; fiadores em contratos de locação; cobranças de IPTU; taxas devidas em função do imóvel, no caso as taxas de condomínio, dentre outras.

Portanto, aos devedores que se escondem atrás de falsas percepções de que seu único imóvel não servirá de garantia para saldar obrigações descumpridas, a depender da dívida, cairá nas exceções apontadas pela lei e o seu bem poderá ser penhorado e arrematado para o pagamento do débito com o condomínio.

Merece aplauso a lei que excepciona a regra da impenhorabilidade do único bem familiar e garante a penhora do mesmo para o pagamento da dívida condominial porque, se assim não fosse, pairar-se-ia a injustiça sobre os demais condôminos que arcam com suas obrigações mensais. Conforme dito, há vantagens em residir num condomínio e exceções louváveis advindas da lei que intenta afastar devedores desavisados no tocante a sua obrigação mensal de pagar a dívida rateada entre os moradores.

Assim, mesmo que o único bem imóvel seja instituído como bem de família, ao devedor das despesas de condomínio não se aplicam as regras da impenhorabilidade, podendo ele sofrer as consequências da execução judicial e posterior perda do imóvel pela dívida não paga.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BRASIL. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm>. Acesso em: 20 set 2013.
BRASIL. Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm>. Acesso em: 20 set 2013.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 20 set 2013.

Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 23 set 2013.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO EM CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS

                                      Autor: Marcelo Bacchi - advogado. Pós graduado em Direito Público (2012) e Ciências Penais (2013)

O objetivo deste artigo não é tratar de questões psicológicas como o prazer, carinho e afeto que um animal de estimação provoca nos proprietários, ou o repúdio em quem os odeia, mas sim demonstrar os aspectos legais acerca dessa realidade nos condomínios edilícios.
O condomínio edilício é um instituto jurídico disciplinado pelo Código Civil Brasileiro de 2.002 e pode ser conceituado como uma edificação que possui partes com propriedade exclusiva e autônoma (apartamentos, escritórios e salas, por exemplo) e parte com propriedade comum dos condôminos (rede de água, esgoto, solo, dentre outros). Existe condomínio edilício vertical e horizontal, ou seja, um conjunto de casas ou um prédio de apartamentos.
Uma polêmica bastante rotineira nos condomínios edilícios é a permissibilidade ou não da existência de animais de estimação.
O tema enseja cuidados de quem está adquirindo uma unidade num condomínio edilício porque o comprador do imóvel poderá possuir animais de estimação ou mesmo ser contrário à existência deles no imóvel em negociação.
Partindo deste prisma, a primeira medida a ser tomada é analisar a convenção do condomínio e as regras que o compõem, visando, assim, evitar contratempos que porventura possam advir após a compra do imóvel desejado.
Convenção de condomínio é o estatuto que regulamenta os interesses dos condôminos, ditando as regras gerais e específicas do local. É um documento escrito que prevê as normas atinentes à administração condominial, competência das assembleias, deliberações, despesas ordinárias e extraordinárias, sanções, regimento interno, além de outros interesses que os moradores houverem por bem estipular. A matéria é regulada pelos artigos 1.332 a 1.334 do Código Civil. Trata-se, então, de um negócio jurídico proveniente da autonomia privada da vontade coletiva, onde as normas postas na convenção tornam-se obrigatórias para todos - proprietários, possuidores ou terceiros. Embora possua inicialmente força obrigatória, as regras disciplinadas na convenção não são absolutas porquanto podem ser relativizadas quando contrárias à ordem pública, a boa-fé, aos princípios gerais do direito e principalmente à norma constitucional.
Feitas estas ponderações iniciais, imaginemos uma situação em que o novo proprietário do imóvel, desconhecedor das regras do condomínio, receba uma notificação informando que no local não se permitem animais de estimação. O que fazer? Eis um problema criado.
Analisando pormenorizadamente a convenção do condomínio, uma das três situações certamente ocorrerá no que tange a permissão de animais de estimação: 1) Existência de regras expressas que os proíbem; 2) existência de regras expressas que os permitem, seja ou não com ressalvas; 3) nada diz a respeito.
Na segunda situação acima apontada, qual seja, existência de regras na convenção que permitem animais de estimação, maiores digressões acerca do tema tornam-se desnecessárias porque a própria norma do condomínio já autoriza a existência dos mesmos. A ressalva apontada geralmente diz respeito ao comportamento a ser tomado pelos proprietários quando estiverem circulando na área comum do condomínio como, por exemplo, estarem os animais presos na coleira; descer pelo elevador de serviço; recolher a sujeira sob pena de multa, dentre outras.
A terceira situação apontada é quando inexistem regras expressas na convenção do condomínio. Ora, o silêncio quanto a permissibilidade dos animais de estimação enseja uma interpretação de que se pode perfeitamente tê-los porque a legislação pátria não proíbe. O que não é proibido é permitido! No direito privado, ao contrário do direito público, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe.
A controvérsia diz respeito à primeira situação, ou seja, quando existirem regras expressas que proíbem a existência de animais de estimação nos condomínio edilícios.
Em casos assim, é perfeitamente possível socorrer-se ao Judiciário para ver garantido o direito de possuir animais de estimação, mormente porque a legislação brasileira não proíbe. Se não há proibição pela lei geral, não é permitido à convenção do condomínio fazê-lo.
O direito de possuir animais de estimação é uma garantia e uma liberdade de quem os quer ter, não podendo regras proibitivas de condomínios, sem respaldo legal, vigorar à margem da lei.
O Código Civil Brasileiro, responsável pelo regramento dos condomínios edilícios - artigos 1.331 a 1358 – especificamente nada dispõe sobre a permissibilidade ou não dos animais de estimação. Ora, conforme dito acima, se não existem regras que proíbem, então é permitido.
No entanto, não é somente o silêncio da lei que permite tê-los. De acordo com a legislação brasileira, animais de estimação são considerados coisas, portanto, suscetíveis de serem apropriados e possuídos pelo homem, fazendo parte do seu patrimônio, como ocorre com outros bens quaisquer.
Ora, não é crível admitir-se que as convenções de condomínio, por serem documentos escritos firmados entre particulares, tenha o condão de proibir o direito de propriedade e posse de outrem garantido pela lei civil brasileira.
Aliás, o direito de propriedade é uma garantia constitucional, e proibir a posse e propriedade dos animais de estimação em condomínios é ferir a própria Constituição da República. A convenção condominial ou o regimento interno que assim dispuser estará eivado do vício da inconstitucionalidade.
As proibições da existência de animais de estimação impostas pelos condomínios violam o direito de propriedade porquanto limitam esse direito constitucional, ou seja, extirpam o direito de usar, gozar e fruir desse bem.
Outrossim, dispõe o artigo 1.335, inciso I, do Código Civil:
Art. 1.335. São direitos do condômino:
I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;

Portanto, as convenções condominiais que proíbem animais de estimação estão violando não só a Constituição da República no tocante ao direito de propriedade, como também a legislação civil infraconstitucional que igualmente dispõe sobre o direito de propriedade e posse, além da regra específica acima que garante ao proprietário condômino o direito de usar, fruir e dispor livremente da sua unidade.
Obviamente não se está a dizer que a liberdade de possuir animais de estimação está acima de tudo e de todos.
O que impera entre os cidadãos de bem é o respeito mútuo e o pacífico convívio entre as pessoas, principalmente nos condomínios edilícios. Por isso, mesmo sendo uma garantia legal e constitucional possuir animais de estimação, o bom senso e a razoabilidade deve ser observado.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no acórdão proferido pela 5ª Câmara de Direito Privado - autos de apelação n.º 9105791-97.2003.8.26.0000 – assentou que o “exercício do direito de propriedade não deve ser obstado por convenção ou regulamento interno, salvo se causar risco ou incômodo aos demais moradores. Inexiste motivo para admitir a limitação no caso concreto. Presença de dois cães de pequeno porte, inofensivos e que não interferem no sossego dos demais habitantes do prédio. Incidência do princípio da razoabilidade, segundo o tolerável no convívio social”.
Assim, existindo conflito entre o direito de propriedade e uma convenção condominial proibitiva, vige o bom senso e a razoabilidade na análise de cada caso concreto.
 Foge ao senso comum admitir-se, por exemplo, que animais de grande porte frequentem lugares comuns extremamente pequenos, pois neste caso há risco de ataque do animal com reduzida possibilidade de defesa da vítima e dificulta, ainda, o direito de ir e vir das pessoas; ou também que animais barulhentos interfiram no sossego dos moradores. Enfim, existe o direito de propriedade sobre os animais, porém não pode ser encarado de forma absoluta.
Noutra decisão advinda do Tribunal de Justiça de São Paulo, o Eminente relator fundamentou sua decisão expondo:
É certo que o regimento interno e a convenção não podem interferir no direito de propriedade dos moradores de uma residência coletiva; porém, tais direitos não podem se sobrepor aos da mesma comunidade (Apelação Cível n 268.420-2 Ubatuba, Sétima Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, rel. Des. Benini Cabral). Do cotejo dos dois princípios acima mencionados, o que deve prevalecer é o equilíbrio. Assim, se o animal não causar nenhum incômodo ou risco aos demais condôminos, não podem a convenção ou o regimento proibir sua permanência dentro da unidade autônoma de cada morador. Se, por outro lado, existir o incômodo ou houver a possibilidade de riscos para o resto da coletividade, a regra tem que ser seguida por todos os que nela habitam. (TJSP - Apelação nº 157.304-4/3, Relator Des. Oscarlino Moeller - 5ª Câmara de Direito Privado, julgado em 05.09.07).
Outra situação que deve imperar é o respeito ao silêncio e ao sossego dos moradores. Aliás, o próprio artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil, diz que:

Art. 1.336. São deveres do condômino:
(...)
IV - dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

O respeito com o próximo e a razoabilidade é uma questão que deve sempre ser observada por todos, quer seja o proprietário na escolha de um animal, quer seja o condomínio na imposição das regras acerca do tema.
Portanto, uma convenção condominial que proíbe de forma genérica a permanência de animais de estimação viola o direito constitucional de propriedade na medida em que não se pode vedar o exercício deste direito dos proprietários em usar, gozar e dispor da sua unidade autônoma, além do que, especificadamente sobre animais de estimação, a legislação civil brasileira nada diz.
Entretanto, eventuais restrições justificadas podem ser estipuladas pelos condomínios quando houve perigo à segurança, regras sobre higiene, perturbação do sossego alheio, enfim, restrições ponderadas e razoáveis que não significa violação ao direito de propriedade até porque não se trata de um direito absoluto e irrestrito.
Assim, aqueles que desejam a companhia prazerosa de um animal de estimação podem buscar no Judiciário seu direito de possuí-los quando a convenção do condomínio, de forma genérica e inexplicável, repita-se, proibir.
O Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre o tema, donde colhemos a seguinte ementa:

DIREITO CIVIL. CONDOMINIO. ASSEMBLEIA GERAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA PELA MANUTENÇÃO DE ANIMAL EM UNIDADE AUTONOMA. NULIDADE DA DELIBERAÇÃO. CONVENÇÃO E REGIMENTO INTERNO. PRECEDENTE DA TURMA. RECURSO DESACOLHIDO.
I - A condômino assiste legitimidade para postular em juízo a nulidade de deliberação, tomada em assembleia geral, que contrarie a lei, a convenção ou o regimento interno do condomínio.
II - A exegese conferida pelas instancias ordinárias a referidas normas internas não se mostra passível de analise em sede de recurso especial (Enunciado n. 5 da Sumula/STJ).
III - Fixado, com base na interpretação levada a efeito, que somente animais que causem incômodo ou risco a segurança e saúde dos condôminos e que não podem ser mantidos nos apartamentos, descabe, na instancia extraordinária, rever conclusão, lastreada no exame da prova, que concluiu pela permanência do pequeno cão. (STJ – Resp. 10250/RS RECURSO ESPECIAL 1991/0007439-0 – Relator MIN. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA – j. 23/03/1993).

O que se infere da decisão acima é que o condomínio somente pode impor restrições ao direito do proprietário em possuir animais de estimação nas unidades condominiais quando causar incômodo e houve perigo à saúde e segurança dos demais moradores.
Concluindo, as convenções de condomínio devem ser elaboradas com precisão e seguir os mandamentos legais estipulados na lei civil brasileira, além de outras regras que satisfaçam o convívio pacífico entre os moradores. No entanto, tais convenções não podem extirpar de forma genérica o direito de propriedade daqueles moradores que desejam possuir um animal de estimação, sob pena de violar o direito de propriedade, previsto na lei civil e na Constituição da República. Referido direito, entretanto, não é absoluto porque pode ser relativizado quando em conflito com o direito dos outros moradores no tocante ao sossego, saúde e segurança, por exemplo.
Assim, deve vigorar entre os moradores de condomínios edilícios o bom senso e a razoabilidade, inclusive no tocante às regras acerca dos animais de estimação. Caso contrário, havendo proibição geral ou regras desarrazoadas inseridas na convenção condominial, medidas judiciais podem ser tomadas para garantir o direito de propriedade daqueles que os desejam possuir em suas unidades autônomas, desde que respeitando, sempre, o direito dos demais pares.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

STF reafirma jurisprudência sobre limite de idade para ingresso em carreira policial


Por meio de deliberação no Plenário Virtual, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, por maioria de votos, aplicar a jurisprudência da Corte (Súmula 683) e rejeitar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 678112) no qual um cidadão que prestou concurso para o cargo de agente da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais buscava garantir judicialmente o seu ingresso na corporação apesar de ter idade superior ao máximo previsto no edital (32 anos). A Súmula 683 do STF estabelece que “o limite de idade para inscrição em concurso público só se legitima em face do artigo 7º, inciso XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”.
No caso analisado pelo Plenário Virtual, de relatoria do ministro Luiz Fux, o recorrente, que tinha 40 anos à época do certame (cujo edital dispunha que o aspirante ao cargo deveria ter entre 18 e 32 anos para efetuar a matrícula em curso oferecido pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais) questionava decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que, ao julgar recurso de apelação, manteve sentença que julgou improcedente Ação Declaratória de Nulidade de Ato Administrativo, na qual ele apontava a inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Estadual 5.406/69 que fixava tais limites de idade.
No Plenário Virtual, a repercussão geral da matéria discutida no recurso foi reconhecida, por maioria de votos, em razão da relevância jurídica do tema (limite etário para ingresso em carreira policial) que, segundo apontou o relator do processo, ministro Fux, “transcende os interesses subjetivos da causa”. O artigo 7º, inciso XXX, da Constituição Federal proíbe a diferença de salários, exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. No caso em questão, a lei estadual em vigor à época do concurso público previa que o aspirante ao cargo deveria ter entre 18 e 32 anos. Em 2010, a Lei Complementar Estadual 113 suprimiu a referência à idade máxima, mantendo apenas o mínimo de 18 anos.
De acordo com os autos, o recorrente foi aprovado na prova objetiva, avaliação psicológica, exames biomédicos e biofísicos, mas teve sua matrícula indeferida no curso de formação pois contava com 40 anos e a idade máxima permitida era 32 anos. Segundo o ministro Fux, a decisão do TJ-MG está em consonância com a jurisprudência da Corte, razão pela qual não merece reparos. “Insta saber se é razoável ou não limitar idade para ingressar em carreira policial, a par da aprovação em testes médicos e físicos. Com efeito, o Supremo tem entendido, em casos semelhantes, que o estabelecimento de limite de idade para inscrição em concurso público apenas é legítimo quando justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”, concluiu.
De acordo com o artigo 323-A do Regimento Interno do STF (atualizado com a introdução da Emenda Regimental 42/2010), o julgamento de mérito de questões com repercussão geral, nos casos de reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também pode ser realizado por meio eletrônico.
Fonte: portal do STF - notícias em destaque

terça-feira, 30 de abril de 2013

CONHECENDO A JURISPRUDÊNCIA - STJ

O Informativo 516 do STJ trouxe uma importante decisão acerca da COMPETÊNCIA para processar e julgar as demandas envolvendo a majoração da tarifa de energia elétrica. A dúvida que surgia era se a União e/ou a Agência Reguladora (ANEEL) deveriam ou não figurar no pólo passivo da ação, ou seja, se tinham ou não interesse no feito, o que refletia na competência da Justiça Federal.


Eis o que consta no informativo:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO QUE OBJETIVE RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO DECORRENTE DE MAJORAÇÃO ILEGAL DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA.
A Justiça Federal não é competente para processar e julgar ação em que se discuta restituição de indébito decorrente de majoração ilegal de tarifa de energia elétrica. Isso porque a existência de discussão acerca de restituição de indébito decorrente de majoração ilegal de tarifa de energia elétrica, por si só, não implica legitimidade da União ou da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) para figurar no polo passivo da ação. Precedentes citados: AgRg no Ag 1.372.472-MS, Segunda Turma, DJe 14/10/2011, e REsp 1.190.139-RS, Segunda Turma, DJe 13/12/2011. AgRg no REsp 1.307.041-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 18/12/2012.

Vejamos agora o acórdão paradigma:

AgRg no REsp 1.307.041-RS

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. MAJORAÇÃO INDEVIDA. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. UNIÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A jurisprudência de ambas as Turmas da Seção consolidou-se no sentido de que a União e a ANEEL não detêm legitimidade nas ações em que se discute a restituição de indébito decorrente da majoração ilegal das tarifas de energia elétrica. Precedentes.
2. Sendo, então, a referida agência reguladora parte ilegítima para figurar no presente feito, não há que se falar no deslocamento da competência para a Justiça Federal para analisar e processar a demanda.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a), sem destaque e em bloco."
A Sra. Ministra Diva Malerbi (Desembargadora convocada TRF 3ª Região), os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 18 de dezembro de 2012.
MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, Relator

fonte: http://www.stj.jus.br/SCON/infojur/doc.jsp

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Direito Imobiliário: a regulamentação do contrato de locação “built to suit” pela Lei 12.744/12.


Autor: Marcelo Bacchi - advogado. Pós graduado em Direito Público e Ciências Penais.

A Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, conhecida como Lei do Inquilinato, dispõe sobre as locações de imóveis urbanos e descreve os procedimentos a serem observados nas ações a ela pertinentes.

Dentre os dispositivos da mencionada lei, há vários artigos expondo as regras gerais e as regras específicas que as partes devem se atentar na elaboração do contrato de locação convencional.

Não podemos olvidar que algumas cláusulas devem obrigatoriamente ser inseridas no contrato de locação convencional para evitar discussões judiciais desnecessárias, e outras são estipuladas livremente pelos contratantes locador e locatário, desde que haja equilíbrio e justiça nos direitos e obrigações assentadas no instrumento contratual.

Portanto, o equilíbrio e o respeito das normas legais são a base de todos os contratos de locação, dando segurança aos contratantes e evitando demandas judiciais de anulação, revogação ou resolução de cláusulas contratuais ou contratos locatícios.

Partindo deste prisma, qual seja, a segurança jurídica das partes contratantes, um novo artigo foi acrescentado à Lei do Inquilinato, visando regulamentar uma prática que vinha se apresentando com frequência nos últimos tempos, mas que ainda carecia de regulamentação própria.

A Lei n.º 12.744, de 19 de dezembro de 2.012, acrescentou o artigo 54-A à Lei 8.245/91, dispondo sobre a locação nos contratos de construção ajustada.

Vejamos:


Lei 12.744/12
(...)
Artigo 3º . A Lei no 8.245, de 1991, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 54-A: 
Art. 54-A.  Na locação não residencial de imóvel urbano na qual o locador procede à prévia aquisição, construção ou substancial reforma, por si mesmo ou por terceiros, do imóvel então especificado pelo pretendente à locação, a fim de que seja a este locado por prazo determinado, prevalecerão as condições livremente pactuadas no contrato respectivo e as disposições procedimentais previstas nesta Lei.
§ 1o  Poderá ser convencionada a renúncia ao direito de revisão do valor dos aluguéis durante o prazo de vigência do contrato de locação.
§ 2o  Em caso de denúncia antecipada do vínculo locatício pelo locatário, compromete-se este a cumprir a multa convencionada, que não excederá, porém, a soma dos valores dos aluguéis a receber até o termo final da locação. 
§ 3o  (VETADO).” 


Esse tipo de contrato de locação, conhecido como “built to suit”, ou “construído para servir”, é utilizado pelo mercado imobiliário brasileiro há algum tempo, porém não havia regras específicas e expressas na Lei do Inquilinato acerca da sua utilização e especificidades, daí a insegurança que permeava as partes quando da elaboração desta forma contratual, mormente porque neste tipo de negócio as obrigações são deveras vultosas.

Portanto, com a inserção deste novo artigo na Lei do Inquilinato, o contrato built to suit, até então atípico, passou a ser uma espécie de contrato de locação regulamentado por lei, afastando qualquer insegurança advinda nesta negociação.

Como visto, a Lei 12.744/12, que deu tipicidade a esta espécie de ajuste locatício, nomeou referida locação de “contrato de construção ajustada”.

Este tipo de negociação envolve aqueles casos em que até mesmo inexiste o imóvel objeto da locação, na qual será ainda construído pelo locador.

O locatário especifica as características que deseja no imóvel e o locador constrói o bem conforme pactuado. Ambos irão se beneficiar com a locação, pois o locador terá a garantia que o imóvel já estará locado por um longo período, cobrindo assim os gastos com a construção e percebendo lucros posteriores, e o locatário terá um imóvel também por um longo período sem incômodos e nas precisas características que necessita para seu negócio.

Grandes empresas não precisam gastar com construções e por isso podem investir em tecnologia e mercadoria. Por outro lado, o locador garante o retorno do investimento, aferindo lucros posteriormente.

Assim, a locação nos contratos de construção ajustada estimula as atividades comerciais, industriais, empresariais e imobiliárias na medida em que fomenta os setores acima garantindo segurança aos contratantes.

Conforme disposto no novo artigo 54-A, alguns requisitos devem ser observados, como por exemplo, a locação não pode ter finalidade residencial e o imóvel deve ser urbano.

Não obstante, percebe-se ainda que as cláusulas deste contrato de locação não residencial são peculiares ao disciplinar sobre o valor do aluguel, que pode ser livremente pactuado; o prazo da locação é determinado; poderá haver renúncia ao direito de revisão do valor do aluguel durante o prazo da locação; ou ainda a multa contratual, no caso do locatário entregar o imóvel antes do prazo final da locação, não pode ultrapassar a soma dos valores dos aluguéis vincendos até o termo final da locação, sendo, portanto, limitada.

Nos termos da lei, o locatário não poderá simplesmente comunicar precocemente o locador de que não tem mais interesse no imóvel, ou seja, denunciar imotivadamente a locação. No caso da denuncia antecipada do vínculo locatício, o locatário terá que arcar automaticamente com a multa convencionada, e conforme dito, não poderá ser maior que a soma dos alugueis que ainda venceriam.

Assim, o artigo 54-A acrescentado à Lei do Inquilinato pela novel legislação ordinária traz consigo requisitos que garantem efetiva segurança jurídica ao locador e ao locatário, tratando-se de um avanço e modernização da legislação pátria que regula o setor imobiliário.

O aquecimento do mercado imobiliário verificado nos últimos anos, especificamente o construtivo, ensejava que as regras outrora atípicas acerca do built to suit fossem tipificadas com urgência, o que ocorreu com o advento da Lei 12.744/12, dando segurança jurídica aos contratantes.

Por fim, as disposições procedimentais da Lei do Inquilinato são aplicadas na locação por contrato de construção ajustada (built to suit), conforme a parte final do artigo 54-A. Não obstante, passando agora a ser um contrato tipificado inserido na Lei 8.245/91, as disposições que não forem com ela incompatíveis devem ser obrigatoriamente observadas, como o direito do locatário purgar a mora, as garantias dos contratos de locação, dentre outras.