Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa
A
sociedade está em constante transformação, e com isso evoluem os conceitos sobre
relacionamentos na medida em que novas experiências vão surgindo e sendo reveladas.
Nunca haverá unanimidade nos pensamentos conceituais porque as experiências de
vida de cada grupo social os levam a definir as relações familiares conforme o
convívio específico com a sua comunidade. Neste contexto, conceituar “família”
não é uma tarefa fácil.
No
direito a situação não é diferente. Não há unanimidade entre os estudiosos
acerca de inúmeros conceitos jurídicos e dentre eles a definição do que é
“família”.
Entretanto,
partindo especificamente para o sistema normativo brasileiro, as normas,
princípios e regras devem obrigatoriamente acompanhar o avanço da sociedade e
se atualizar conforme as situações vão surgindo. Neste prisma, o direito de
família ganha especial atenção, pois está diretamente ligado com as mudanças e
evoluções ocorridas no dia a dia da sociedade, atingindo a vida das pessoas e seus
relacionamentos familiares, onde há regras a serem seguidas, com direitos e
deveres que por todos devem ser observados.
Aliás,
o Estado tem o dever constitucional de proteger a família, conforme se extrai
do artigo 226, caput, da Constituição
Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Dentre
os avanços específicos do direito de família, a união estável ganha importante
destaque no cenário social porque grande parte da população brasileira vivencia
essa realidade.
O
conceito constitucional de união estável pode ser encontrado no § 3º do artigo
226 da Constituição da República. Vejamos:
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida
a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento”.
Já
o conceito legal de união estável vem descrito no artigo 1.723 do Código Civil
Brasileiro:
É reconhecida como entidade familiar a união
estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua
e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Com
o reconhecimento da união estável pela Constituição da República, a família se
pluralizou, pois o conceito de entidade familiar vai além do casamento,
envolvendo também relacionamentos não matrimoniais.
Entretanto,
é necessário informar que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação
Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e uma Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) e declarou que o artigo 1.723 do Código Civil é
inconstitucional porque o artigo 3º, IV da Constituição da República proíbe
discriminações e preconceitos em virtude da cor, raça, idade, sexo, enfim,
reprova qualquer forma de intolerância e tratamentos desiguais entre as
pessoas. Portanto, hoje, para configurar uma união estável não necessariamente
precisa ser entre um homem e uma mulher e sim entre duas pessoas.
Assim,
podemos conceituar a união estável como sendo o relacionamento público entre
duas pessoas, contínuo e duradouro, cujo objetivo principal é constituir
família.
Extrai-se
deste conceito alguns requisitos que devem obrigatoriamente ser observados para
configurar uma união estável.
O
primeiro deles é que o relacionamento deve ser público, ou seja, aos olhos da
sociedade os conviventes se apresentam como uma família. Encontros esporádicos
ou casuais, mesmo com duração longa, não caracterizam a união estável.
O
segundo requisito é a continuidade, significando que o relacionamento deve ser constante,
firme e estável a merecer a proteção estatal. De igual forma do requisito
anterior, encontros casuais, ainda que públicos ou prolongados, não pode ser
considerado como intenção de constituição de família.
Já
o terceiro diz respeito ao tempo. O relacionamento deve ser duradouro, o que
não quer dizer que há prazo mínimo de convívio como outrora era exigido um
tempo superior de 05 anos de convivência (Lei 8.971/94). A duração do
relacionamento, hodiernamente, não exige prazo e sim estabilidade de uma
relação tendente a perdurar no tempo.
O
quarto requisito com certeza é o principal. Para se configurar uma união
estável aos olhos da lei, os conviventes necessitam trazem consigo o desejo de
constituir família. Se há convívio contínuo, duradouro ou público, mas o
objetivo do casal não é constituir família, não há união estável, podendo ser,
por exemplo, um namoro. O que justifica a proteção estatal é a verificação dos
interesses na formação da família.
Aliás,
constantemente o Poder Judiciário é chamado a decidir sobre demandas de
reconhecimento e dissolução de união estável. As provas trazidas pelas partes é
que demonstrarão, no caso concreto, a existência ou não de uma união estável
passível de proteção estatal. Não raras vezes, o que se configura é um namoro
por faltar o objetivo principal da união estável que é a constituição de
família.
Portanto,
o fato de um casal que não optou pelo matrimônio não significa que o convívio
entre eles é uma união estável. Para configurá-la é preciso obedecer aos
requisitos acima apontados.
Um
ponto importante a ser observado é que na união estável não pode haver entre o
casal os mesmos impedimentos elencados para quem opta pelo matrimônio. Tais
impedimentos estão descritos no artigo 1.521 e mencionados no artigo 1.723, §
1º, ambos do Código Civil Brasileiro.
É
importante destacar, também, que a coabitação não é requisito obrigatório para
se configurar a união estável. Nos deveres descritos no artigo 1.723 e 1.724 do
Código Civil não há esta obrigatoriedade. Inclusive a jurisprudência dos
tribunais superiores já se pronunciou sobre isso. No entanto, é obvio que numa
demanda judicial a coabitação, aliada aos demais requisitos obrigatórios da
união estável, é um meio importante de prova para quem deseja reconhecer a
união estável.
Os
deveres pessoais da união estável estão elencados no artigo 1.724 do Código
Civil, como lealdade, respeito mútuo, assistência, guarda e educação dos
filhos, quando houver. Já as relações patrimoniais entre os conviventes estão
descritos no artigo 1.725, destacando-se que a regra do regime de bens na união
estável é a comunhão parcial, salvo se o casal registrar em contrato escrito o
interesse em regime diverso.
Quanto
ao contrato de união estável, é preciso destacar que não é obrigatória a sua
confecção. Muitos o fazem para fins de dependência exigidos pelos planos de
saúde, por exemplo. No entanto, também não deixa de ser um meio de prova numa
eventual demanda judicial. O que não se permite é utilizar deste instrumento
para fins maléficos, trazendo prejuízos ao convivente.
Por
fim, união estável não deve ser confundida com concubinato. Este, conforme
descrito no artigo 1.727 do Código Civil, trata-se de uma relação não eventual
entre um casal impedido de casar.
O
tema aqui desenvolvido tem o objetivo de esclarecer de forma simples e amena os
requisitos para configurar uma união estável e afastar dúvidas que porventura
possam surgir. Certamente existem inúmeras outras questões de ordem técnica que
permeiam o relacionamento pautado na união estável, porém não é a finalidade
deste artigo.
Diante
das breves considerações acima, percebe-se que o Estado, com a Constituição da
República, tutelou a pluralidade familiar reconhecendo que os relacionamentos
extramatrimoniais devem igualmente merecer proteção quando atenderem aos
requisitos descritos na norma, criando direitos e deveres a quem opta pelo
convívio em união estável. O reconhecimento da pluralidade familiar com a
chancela protetiva do Estado é um nítido respeito às opções dos cidadãos e está
intimamente relacionado com os objetivos de acabar com qualquer tipo de discriminação.
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