quarta-feira, 1 de junho de 2016

CONSIDERAÇÕES SOBRE A UNIÃO ESTÁVEL

Autor: Marcelo Bacchi Corrêa da Costa



A sociedade está em constante transformação, e com isso evoluem os conceitos sobre relacionamentos na medida em que novas experiências vão surgindo e sendo reveladas. Nunca haverá unanimidade nos pensamentos conceituais porque as experiências de vida de cada grupo social os levam a definir as relações familiares conforme o convívio específico com a sua comunidade. Neste contexto, conceituar “família” não é uma tarefa fácil.
No direito a situação não é diferente. Não há unanimidade entre os estudiosos acerca de inúmeros conceitos jurídicos e dentre eles a definição do que é “família”.
Entretanto, partindo especificamente para o sistema normativo brasileiro, as normas, princípios e regras devem obrigatoriamente acompanhar o avanço da sociedade e se atualizar conforme as situações vão surgindo. Neste prisma, o direito de família ganha especial atenção, pois está diretamente ligado com as mudanças e evoluções ocorridas no dia a dia da sociedade, atingindo a vida das pessoas e seus relacionamentos familiares, onde há regras a serem seguidas, com direitos e deveres que por todos devem ser observados.
Aliás, o Estado tem o dever constitucional de proteger a família, conforme se extrai do artigo 226, caput, da Constituição Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Dentre os avanços específicos do direito de família, a união estável ganha importante destaque no cenário social porque grande parte da população brasileira vivencia essa realidade.
O conceito constitucional de união estável pode ser encontrado no § 3º do artigo 226 da Constituição da República. Vejamos:
“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Já o conceito legal de união estável vem descrito no artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro:
É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Com o reconhecimento da união estável pela Constituição da República, a família se pluralizou, pois o conceito de entidade familiar vai além do casamento, envolvendo também relacionamentos não matrimoniais.
Entretanto, é necessário informar que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e declarou que o artigo 1.723 do Código Civil é inconstitucional porque o artigo 3º, IV da Constituição da República proíbe discriminações e preconceitos em virtude da cor, raça, idade, sexo, enfim, reprova qualquer forma de intolerância e tratamentos desiguais entre as pessoas. Portanto, hoje, para configurar uma união estável não necessariamente precisa ser entre um homem e uma mulher e sim entre duas pessoas.
Assim, podemos conceituar a união estável como sendo o relacionamento público entre duas pessoas, contínuo e duradouro, cujo objetivo principal é constituir família.
Extrai-se deste conceito alguns requisitos que devem obrigatoriamente ser observados para configurar uma união estável.
O primeiro deles é que o relacionamento deve ser público, ou seja, aos olhos da sociedade os conviventes se apresentam como uma família. Encontros esporádicos ou casuais, mesmo com duração longa, não caracterizam a união estável.
O segundo requisito é a continuidade, significando que o relacionamento deve ser constante, firme e estável a merecer a proteção estatal. De igual forma do requisito anterior, encontros casuais, ainda que públicos ou prolongados, não pode ser considerado como intenção de constituição de família.
Já o terceiro diz respeito ao tempo. O relacionamento deve ser duradouro, o que não quer dizer que há prazo mínimo de convívio como outrora era exigido um tempo superior de 05 anos de convivência (Lei 8.971/94). A duração do relacionamento, hodiernamente, não exige prazo e sim estabilidade de uma relação tendente a perdurar no tempo.
O quarto requisito com certeza é o principal. Para se configurar uma união estável aos olhos da lei, os conviventes necessitam trazem consigo o desejo de constituir família. Se há convívio contínuo, duradouro ou público, mas o objetivo do casal não é constituir família, não há união estável, podendo ser, por exemplo, um namoro. O que justifica a proteção estatal é a verificação dos interesses na formação da família.
Aliás, constantemente o Poder Judiciário é chamado a decidir sobre demandas de reconhecimento e dissolução de união estável. As provas trazidas pelas partes é que demonstrarão, no caso concreto, a existência ou não de uma união estável passível de proteção estatal. Não raras vezes, o que se configura é um namoro por faltar o objetivo principal da união estável que é a constituição de família.
Portanto, o fato de um casal que não optou pelo matrimônio não significa que o convívio entre eles é uma união estável. Para configurá-la é preciso obedecer aos requisitos acima apontados.
Um ponto importante a ser observado é que na união estável não pode haver entre o casal os mesmos impedimentos elencados para quem opta pelo matrimônio. Tais impedimentos estão descritos no artigo 1.521 e mencionados no artigo 1.723, § 1º, ambos do Código Civil Brasileiro.
É importante destacar, também, que a coabitação não é requisito obrigatório para se configurar a união estável. Nos deveres descritos no artigo 1.723 e 1.724 do Código Civil não há esta obrigatoriedade. Inclusive a jurisprudência dos tribunais superiores já se pronunciou sobre isso. No entanto, é obvio que numa demanda judicial a coabitação, aliada aos demais requisitos obrigatórios da união estável, é um meio importante de prova para quem deseja reconhecer a união estável.
Os deveres pessoais da união estável estão elencados no artigo 1.724 do Código Civil, como lealdade, respeito mútuo, assistência, guarda e educação dos filhos, quando houver. Já as relações patrimoniais entre os conviventes estão descritos no artigo 1.725, destacando-se que a regra do regime de bens na união estável é a comunhão parcial, salvo se o casal registrar em contrato escrito o interesse em regime diverso.
Quanto ao contrato de união estável, é preciso destacar que não é obrigatória a sua confecção. Muitos o fazem para fins de dependência exigidos pelos planos de saúde, por exemplo. No entanto, também não deixa de ser um meio de prova numa eventual demanda judicial. O que não se permite é utilizar deste instrumento para fins maléficos, trazendo prejuízos ao convivente.
Por fim, união estável não deve ser confundida com concubinato. Este, conforme descrito no artigo 1.727 do Código Civil, trata-se de uma relação não eventual entre um casal impedido de casar.
O tema aqui desenvolvido tem o objetivo de esclarecer de forma simples e amena os requisitos para configurar uma união estável e afastar dúvidas que porventura possam surgir. Certamente existem inúmeras outras questões de ordem técnica que permeiam o relacionamento pautado na união estável, porém não é a finalidade deste artigo.
Diante das breves considerações acima, percebe-se que o Estado, com a Constituição da República, tutelou a pluralidade familiar reconhecendo que os relacionamentos extramatrimoniais devem igualmente merecer proteção quando atenderem aos requisitos descritos na norma, criando direitos e deveres a quem opta pelo convívio em união estável. O reconhecimento da pluralidade familiar com a chancela protetiva do Estado é um nítido respeito às opções dos cidadãos e está intimamente relacionado com os objetivos de acabar com qualquer tipo de discriminação.

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